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terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Da Regulação à Concertação: Investimento Imobiliário e Planeamento Urbano

Por Bruno Lobo
Administrador, Avenida Capital
PhD, Columbia University in the City of New York., M.Arch Technical University of Lisbon





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O investimento imobiliário é um processo central ao desenvolvimento económico. Os ativos imobiliários representam tipicamente o maior investimento dos agregados familiares e garantias usadas para a concessão de crédito por entidades financeiras. As várias atividades comerciais associadas à construção e compra e venda de imóveis têm um peso significativo na criação empregos diretos e indiretos e circulação de capital necessária ao crescimento económico.

Um mercado imobiliário equilibrado regula os níveis de oferta de acordo com o volume de procura com taxas de absorção e rotação sustentáveis. As taxas crescimento de preços devem estar relacionados com os rendimentos e níveis de endividamento recomendáveis dos agregados familiares e os yields devem gerar ‘premiums’ sobre os demais instrumentos financeiros disponíveis nos mercados de capitais ajustados para o risco inerente a cada classe de ativo.

Num contexto de ciclos económicos, a atividade imobiliária deve equilibrar a oferta entre a reabilitação de imóveis existentes e produção de novos imóveis num contexto de renovação dos centros urbanos e expansão estruturada das suas periferias, gerando as receitas diretas e indiretas que permitam financiar um nível de serviços públicos adequados e promovam a coesão social.

Em economias de mercado, entidades públicas e privadas participam de forma direta e indireta na atividade imobiliária. As administrações centrais criam as bases legais que regulamentam os direitos de propriedade e uso do solo e definem entre outros, os instrumentos jurídicos de gestão urbanística, planeamento territorial e urbano e arrendamento. Influenciam os mercados através do investimento público, transferências municipais, subsídios e programas de financiamento específicos.

As administrações regionais e locais aplicam os instrumentos de planeamento territorial e gestão urbanística na regulação do uso do solo e concessão de licenças de urbanização e construção. São também responsáveis por execução de equipamentos públicos e infraestrutura e participam diretamente no processo de urbanização através da atuação das empresas municipais nos setores da renovação urbana e habitação de custos controlados.

A atividade do sector financeiro é parte integrante da atividade imobiliária. Os bancos centrais e mercados de capitais determinam os níveis de liquidez e influenciam as taxas de juros económicas e financeiras que determinam o custo do capital investido em imobiliário. Os bancos comerciais determinam as condições de financiamento da construção, aquisição e arrendamento de imóveis.

Num contexto de atuação integrada do setor público e privado nos mercados imobiliários, os promotores e fundos de investimento atuam como agentes urbanizadores produtores do espaço urbano comercial. A sua atividade é baseada em ciclos de investimento na produção e comercialização de imóveis com objetivos de lucro que cubram os custos das suas estruturas operacionais e produzam os retornos anuais sobre o capital próprio investido com ‘premiums’ consistentes sobre os mercados de capitais. O retorno provém da captura da diferença entre o custo de produção do imóvel e sua respetiva comercialização. A criação de valor acrescentado gerador de retornos adequados requer a estimativa de volumes de procura futura, a adequação da estrutura de capital (capital próprio, de terceiros e dívida) ao perfil do ativo e gestão do projeto.

A primazia dada à iniciativa privada na produção do espaço urbano comercial apresenta várias limitações estruturais. Num contexto de custos de produção estáveis, o fator identificador de valor é o preço do ativo que ‘captura’ variações de valor sem que necessariamente exista produção de valor acrescentado. A unidade de transação é o imóvel restringido aos seus limites físicos que raramente coincidem com as tipologias urbana projetadas. O valor do imóvel é diretamente relacionado com a sua localização originando desigualdade espacial e segmentação funcional. E raras vezes o interesse público refletido nos equipamentos urbanos, habitação de custos controlados, receita fiscal e qualidade dos espaços verdes e abertos coincide com a maximização do valor dos lotes privados.

Dos vários instrumentos jurídicos e fiscais que lidam com as limitações estruturais dos mercados imobiliários, alguns têm sobressaído pelo sua inovação e capacidade de atrair investimento privado e simultaneamente gerar benefícios públicos. Em Nova Iorque, desde os anos 70 que é permitido em certos contextos transferir direitos de construção entre propriedades, possibilitando a preservação de edifícios de interesse públicos como e simultaneamente uso dos direitos de construção excedentes em outros imóveis. Em Paris o recurso a promotores públicos permite a captura da valorização dos imóveis para financiar equipamentos públicos, infraestrutura urbana e habitação social. Em São Paulo a possibilidade de criar direitos de construção adicionais transacionáveis em bolsa permite financiar o investimento público, atrair investimento privado e redistribuir equitativamente os benefícios da urbanização entre os proprietários de determinadas zonas de intervenção urbana prioritárias.

A aplicação destes mecanismos ilustra a necessidade da regulação dos usos de solo e mercados imobiliários pelo sistema de ordenamento territorial ser efetuada através da concertação entre entidades públicas e privadas onde a participação dos vários agentes envolvidos é fundamental. A incerteza normativa e possibilidade de mudanças pontuais nos índices de construção e cargas urbanísticas retraem o investimento, valorizam lotes por mero processo administrativo e inviabilizam projetos existentes. As cargas urbanísticas, se aplicadas de forma indiscriminada podem representar um custo adicional que sem um consequente ajustamento no preço dos lotes, pode retirar a viabilidade económica a investimentos projetados.

Por outro lado, um sistema de ordenamento concertado pode criar condições favoráveis para o investimento em zonas urbanas prioritárias de acordo com a estratégia dos promotores e investidores. Uma normativa clara e transparente pode ser incorporada nos estudos de viabilidade económica e a ajustar (para baixo) o preço dos lotes de modo a que os retornos esperados pelos investidores se mantenham. O investimento público em infraestrutura urbana e equipamentos coletivos é fundamental para criar condições favoráveis ao investimento e para a valorização de áreas urbanas.

A regulação dos usos de solo e investimento público são fundamentais para promover a renovação urbana e coordenar a atividade imobiliária. No entanto a implementação de modelos de ordenamento não pode ser efetuada apenas por decreto. Um processo de implementação progressivo, focado em objetivos concretos em concertação com os vários atores envolvidos é fundamental à sua implementação.

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