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terça-feira, 11 de março de 2014

Reflexões sobre o balanço das famílias e impacto no mercado residencial


Por Ricardo Pereira
inPROP Capital Fund






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A propósito da crise económica que o país atravessa e do discurso recorrente dos apologistas da austeridade e dos defensores de políticas expansionistas, eu pergunto-me diversas vezes, qual é o valor da riqueza do país, afinal?

Sabemos que a dívida pública é 130% do PIB (e que o PIB de 2012 rondou € 165 mil milhões) e que o endividamento  das famílias é superior a 130%... mas quando se avalia uma empresa não comparamos apenas o valor do passivo com as vendas, mas acima de tudo, o valor do serviço da dívida com os resultados operacionais (para se ter uma percepção sobre a probabilidade de incumprimento) e o valor do passivo com o valor do activo (o que permite ter uma ideia sobre o valor esperado da perda, havendo incumprimento). Claro que estas considerações têm de ser enquadradas no contexto de financiamento a que o país e as famílias têm recorrido e os riscos, principalmente para os credores externos, de não poderem executar ordens de liquidação noutras jurisprudências.

Pois bem, recentemente encontrei um artigo do Banco de Portugal em que são adiantados valores para o valor da riqueza dos agregados familiares (esta quantificação não considera a riqueza que é propriedade do Estado). Este artigo é de 2008 pelo que os valores não são propriamente actuais mas não devem estar longe da realidade actual.  Em linguagem contabilística, o balanço das famílias Portuguesas é apresentado na Figura 1.

Figura 1: Balanço das Famílias Portuguesas (2007)
Fonte: Banco de Portugal

Desta perspectiva, a situação não parece tão dramática, afinal de contas o rácio de endividamento das famílias é apenas 23%. Contudo, se olharmos para a evolução do rácio da dívida com o rendimento disponível das famílias, o problema fica evidente (ver Figura 2).

Figura 2: Evolução dos Rácios de Endividamento
Fonte: Banco de Portugal / Pordata (rendimento disponível)

Ora, endividamento para aquisição de habitação própria, principalmente quando existe um excedente de 600 mil casas, é não reprodutivo e como tal é um modelo de endividamento que se esgota em si próprio.

Minsky (a par com Keynes e Friedman, um dos maiores economistas do século passado), numa das suas célebres teorias, classifica a dívida como reprodutiva, especulativa e Ponzi. A dívida é reprodutiva se os activos geram retornos capazes de a amortizar; é especulativa se os activos geram o suficiente para pagar o serviço da dívida mas não a dívida, sendo necessário estender a maturidade da mesma sempre que se aproxima do seu termo; é Ponzi se a amortização e o serviço da dívida estiverem condicionadas pela apreciação do valor dos activos.

Crédito dirigido para a aquisição de habitação própria não tem o efeito multiplicador que teria o mesmo €1 investido no sector produtivo. Não quero com isto retirar legitimidade ás aspirações dos compradores que precisam de financiamento para adquirirem casa própria, nem às reivindicações do sector da construção … mas quem governa o país e estabelece as regras do jogo, deve ter uma visão mais ampla das necessidades do país e priorizar os sectores de investimento, o que acabará por acontecer, seja ou não por acção exclusiva dos governos.

Sendo pouco provável que os bancos continuem a conceder crédito ao ritmo verificado antes de 2009 e que as famílias consigam taxas de endividamento tão elevadas como no passado, parece-me que  o sector imobiliário, principalmente o associado ao residencial, terá de fazer um esforço de reflexão e de transformação.

Sugiro que se comece pelo óbvio: há 600 mil casas vazias (o que representa mais de 5 anos de inventário) e um mercado de arrendamento ineficiente (por diversas razões, que não se prendem apenas com a qualidade do stock de casas disponíveis). A incongruência destas duas realidades parece-me óbvia. 

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