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quinta-feira, 23 de outubro de 2014

O valor patrimonial tributário de terrenos a lotear - Parte I


Por Ricardo da Palma Borges
Advogado (Especialista em Direito Fiscal pela Ordem dos Advogados)
Sócio-Administrador da RPBA (Ricardo da Palma Borges & Associados - Sociedade de Advogados, R.L.)
ricardo@rpba.pt






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É sobejamente conhecido que o Valor Patrimonial Tributário (“VPT”), calculado nos termos do Código do Imposto Municipal de Imóveis (“IMI”), serve de base à liquidação deste e do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”).

Tanto o valor de mercado como o VPT de um prédio rústico aumentam significativamente se esse mesmo prédio for “transformado” em terreno para construção (com loteamento aprovado, obras de urbanização realizadas e licença das construções dos lotes de terreno componentes a pagamento).

Porém, entre aqueles dois extremos, existem fases intermédias, indispensáveis para que um prédio rústico se converta num terreno para construção, as quais incrementam progressivamente o valor de mercado do prédio (pois a cada fase corresponde um valor necessariamente superior ao da precedente).

Estas operações urbanísticas sucedem-se do seguinte modo:

1 – Informação prévia favorável ou documento de viabilidade construtiva;
2 – Aprovação do loteamento;
3 – Aprovação dos projectos das especialidades;
4 – Emissão do alvará de loteamento e das obras de urbanização;
5 – Execução das obras de urbanização;
6 – Projectos das edificações aprovados / licença a pagamento.

Inexplicavelmente, estas fases não têm reflexo no VPT, pois a sua fórmula de cálculo não inclui qualquer mecanismo (rectius, coeficiente) que permita considerar tais estados intermédios. Habitualmente, tal discrepância é justificada com o facto de a emissão do alvará de loteamento e das obras de urbanização pressupor sempre uma garantia bancária que salvaguardaria a respectiva boa execução, tornando-se desnecessária a aplicação de qualquer coeficiente de adaptação à realidade. No fundo, ficciona-se a boa conclusão das obras, com efeitos reportados a um momento anterior ao seu próprio início.

Contudo, a ausência do referido coeficiente determina que o proprietário pagará um IMI inflacionado nas fases intermédias e, alienando o terreno nesse estado, será liquidado IMT ao adquirente sobre um valor potencialmente superior ao valor real do mesmo.

Só tratando-se de prédio rústico em meio rural, onde não seja possível qualquer operação urbanística, é que a sua avaliação fiscal se efectua em função do rendimento fundiário (artigo 17.º do Código do IMI).

Segundo o n.º 3 do artigo 37.º do Código do IMI, para o cálculo do VPT de terrenos para construção “(…) deve ser apresentada fotocópia do alvará de loteamento, que deve ser substituída, caso não exista loteamento, por fotocópia do alvará de licença de construção, projecto aprovado, comunicação prévia, informação prévia favorável ou documento comprovativo de viabilidade construtiva”, determinando-se o VPT através do “(…) somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação” – cfr. n.º 1 do artigo 45.º do mesmo Código.

O VPT destes resultará, pois, de uma fórmula relativamente extensa que não reflecte as referidas fases intermédias (cfr. n.º 1 do artigo 38.º do Código do IMI):

VPT = Vc x (((Abc + 0,7 x Ab) x Caj) x Ai% + Ac x 0,025 + Ad x 0,005) x Ca x Cl x Cq

O significado das variáveis é o que consta dos artigos 38.º, 39.º e 40.º do referido Código.

Ao não reflectir minimamente as alterações intercalares do valor do terreno este regime conduz a uma lesão grave do princípio da igualdade, previsto em geral no artigo 13.º e em especial no artigo 104.º, n.º3, da Constituição da República Portuguesa, por determinar tributação idêntica em prédios cuja disparidade real imporia uma imposição diferenciada, que realizasse uma justa distribuição dos encargos fiscais.

Como escreveu o saudoso Professor JOSÉ LUÍS SALDANHA SANCHES, “(…) no imposto anterior [Sisa], a simulação de preço se tinha tornado tão generalizada que a tentativa administrativa de determinar o valor real dos prédios transmitidos (matrizes prediais) tornou obrigatória a determinação indiciária dos valores (…). Estamos, deste modo, num regime que só pode aceitar-se como uma solução provisória, uma vez que a justa distribuição dos encargos tributários exige a determinação do valor efectivo dos prédios” (in Manual de Direito Fiscal, 3.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 441).

Onze anos após a aprovação do Código do IMI importa aproximar a tributação dos terrenos a lotear do seu valor efectivo. Mesmo no contexto da determinação indiciária do VPT seria viável, por meio de coeficientes, tutelar as fases intermédias entre um prédio rústico e um terreno para construção. Disso trataremos num próximo texto.

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PS: Agradeço ao Engenheiro Civil e Perito Avaliador Lino da Conceição Claro a ideia para a redacção deste texto bem como as valiosas sugestões e a frutífera troca de opiniões havida sobre o tema.

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