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terça-feira, 26 de janeiro de 2016

A importância da zona

O desconhecimento da zona para onde se pretende ir habitar teve na génese do projecto STREETICS, uma plataforma on-line que classifica as ruas das cidades, com base num máximo de 12 critérios relacionados com a qualidade de vida. O conceito subjacente não passa por classificar uma rua para atribuir um valor médio final, mas que cada utilizador consulte em relação aos critérios que lhe são importantes, qual a classificação dos mesmos.

O aumento da mobilidade dentro das áreas urbanas traduziu-se nos últimos anos pelo maior leque de escolha em relação à zona quando se pretende comprar ou arrendar uma nova habitação. Se antes, a norma era uma pessoa manter-se na zona onde sempre viveu, com a melhoria das acessibilidades aumentou o número de famílias que optam por zonas diferentes dentro da mesma área metropolitana. Com isso aumentou também o desconhecimento de muitas pessoas em relação à nova zona onde vão morar, escolhida essencialmente tendo em conta os factores preço e qualidade do imóvel. 

Infelizmente, creio que uma percentagem elevada das pessoas que compram ou arrendam uma habitação numa nova zona, não valorizam correctamente as suas características e se estas vão de encontro às suas necessidades. Essa valorização, negativa ou positiva, surge mais tarde, com a vivência do local, as deslocações para o emprego ou para levar as crianças à escola. Há uns anos lembro-me de aconselhar um amigo que estava com intenção de comprar casa a 50 km de Lisboa, onde sempre tinha vivido e trabalhado, a antes de o fazer experimentar um dia ir de madrugada a essa localidade e depois voltar para Lisboa à hora a que normalmente o iria fazer em caso de passar a morar aí. Obviamente ele não seguiu o meu conselho e comprou mesmo a casa. Passado um ano colocou-a à venda, e decidiu ir morar para uma localidade às portas de Lisboa, por não suportar o trânsito.

Na ponderação da compra de uma habitação entram essencialmente três factores, nomeadamente, o preço, a qualidade da casa (tipologia, acabamentos, qualidade dos equipamentos, etc) e a zona. E esta é quase sempre o “parente pobre”. No entanto, uma das questões que a maioria dos compradores deveria ter em conta é a possibilidade de um dia terem de vender o imóvel. Nesse caso, provavelmente, a zona adquire uma importância acrescida. Tal como um promotor imobiliário, vai entrar em linha de conta com muitos factores como a concorrência, a atractividade da zona, o preço médio praticado, etc. 

A questão é que nos dias de hoje é mais provável um dia ter de vender a casa do que propriamente mantê-la durante os 20, 30 ou até mais anos que dura o empréstimo bancário para a sua compra. O emprego para a vida já não existe, e a mobilidade laboral é uma realidade pelo que muitas famílias já não acham razoável adquirir uma habitação se no espaço de 5 anos podem estar a trabalhar noutra localidade ou pais. 

Um dos episódios mais desagradáveis que com a crise se intensificou a partir de 2008, foi muitas famílias para além de constatarem que tinham de vender a sua habitação por não conseguirem pagarem as suas hipotecas, verificarem que o valor de mercado pela qual a conseguiam vender era inferior ao valor do empréstimo. Um problema grave a juntar à gravidade de ter de vender a sua casa. Isto não aconteceu em todas as zonas, mas aconteceu em algumas onde claramente um conjunto de factores contribuiu para esta situação:
  • Em primeiro lugar, um preço de compra excessivo tendo em conta a zona;
  • Em segundo lugar, um valor de empréstimo para a compra, também excessivo, muitas vezes superior ao valor do imóvel;
  • Em terceiro lugar, uma zona sem nível de procura que sustente uma venda no curto prazo do imóvel. 

A extrema necessidade que a compra ou arrendamento de uma habitação significa para as famílias, não deve ser razão para descurar a exigência em relação aos diversos factores referidos. O imóvel tem qualidade em relação ao que são as práticas comuns na zona? O preço não é excessivo em relação aos valores de mercado praticados na envolvente urbana? Há uma oferta excessiva de imóveis e não estão a ser escoados rapidamente? Se daqui a 5 anos precisar de vender, vou conseguir vender pelo preço de x? A resposta a estas perguntas pode ser a diferença entre um grande problema, ou um problema menor.

Existem já vários estudos que incidem sobre a qualidade de vida nas cidades. Esses estudos não são apenas curiosidades, mas antes ferramentas de consulta para quem pretende mudar de pais para trabalhar. A consultora internacional Mercer Consulting edita anualmente o “Mercer Quality of Living Index”, o qual analisa 230 cidades em todo o mundo com base em diversos factores. Este estudo é utilizado por empresas multinacionais para negociar o expatriamento dos seus quadros, e a sua compensação irá também ser influenciada pela maior ou menor qualidade de vida da cidade para onde irá trabalhar. Ir trabalhar para Vancouver no Canadá (5º lugar em 2015) tem certamente custos implícitos diferentes do que ir trabalhar para Maputo em Moçambique (178º lugar em 2015).

Está na altura deste nível de exigência e análise passar também a estar presente nas decisões de quem compra ou arrenda uma nova casa, e certamente também para quem pretende promover um novo empreendimento imobiliário, sob pena de no futuro as más decisões sobre a zona terem um impacto acrescido em termos financeiros ou de resultados comerciais.


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Por Carlos Leite de Sousa
Co-fundador do Streetics

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