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terça-feira, 12 de abril de 2016

A protecção das lojas históricas

Ia escrever este meu artigo sobre um assunto em que venho a reflectir há algum tempo: numa relação de crédito à habitação, no caso em que o mutuário arrende o imóvel a um terceiro sem a autorização do banco, que margem tem o banco para resolver o contrato por incumprimento, ou para aplicar penalidades ao mutuário?

Eu considero que a margem do banco é reduzida, por várias razões.

E foi assim, com o artigo já pensado e quase feito, que me deparo, no fim-de-semana, com uma notícia que me faz pensar se vale a pena, verdadeiramente, pensar em temas de Direito ou de Justiça, quando a prática política consiste, precisamente, em passar por cima dessas concepções, apressando o país para a ruína moral e o desastre económico.

Refiro-me ao projecto de lei apresentado pelo PS no fim da semana passada (Projecto de lei 155/XIII), em que se altera o Regime do Arrendamento Urbano de forma a proteger as lojas e entidades com interesse histórico e cultural e onde, sub-repticiamente, se congelam as rendas dos arrendamentos habitacionais por um período adicional de 5 anos.

Com esta alteração, os proprietários ver-se-ão uma vez mais expropriados do seu direito de propriedade, para, à sua custa, o governo socialista angariar votos fáceis, com a ilusão de políticas sociais (e a custo zero no orçamento do Estado).

Não se pode dizer que seja uma iniciativa inesperada. Ainda há pouco tempo, aqui, dava nota dos obstáculos que no meu escritório, temos encontrado da parte da Câmara Municipal de Lisboa nos casos que envolvem arrendamentos de lojas antigas, na altura em que António Costa ainda era presidente desta instituição e proferia afirmações como esta, cujo alcance começamos agora a conhecer:

Sobre a Lei das Rendas, o que eu vos posso dizer é que a missa ainda nem saiu do adro

Uma vez no poder, em cumprimento das ameaças feitas em período eleitoral, eis que o Partido Socialista faz o que é seu apanágio: dar o que não tem.

As medidas previstas no Projecto de Lei podem resumir-se no seguinte:
  • Impossibilidade de denunciar os contratos de arrendamento de lojas históricas (ou entidades com interesse histórico e cultural) quando o proprietário queira levar a cabo obras de remodelação do prédio;
  • Alargamento para 10 anos do actual regime transitório de 5 anos previsto para microentidades, repúblicas de estudantes e algumas entidades sem fins lucrativos;
  • Alargamento para 5 anos do regime aplicável a seguir aos referidos 10 anos – de forma que um arrendamento de uma “loja histórica” ou “entidade de interesse histórico ou cultural” passa a ser vinculativo durante um período mínimo de 15 anos.

Por último - mas com uma gravidade ainda maior - o escandaloso alargamento, de 5 para 10 anos, do período em que os inquilinos habitacionais com mais de 65 anos pagam ao senhorio uma renda indexada ao seu rendimento anual, de tal maneira que é o senhorio quem supre as carências económicas dos inquilinos.

Ou seja, em síntese, com esta proposta de lei, o Partido Socialista assegura o congelamento das rendas por um período adicional de cinco anos e impede as intervenções nos prédios que tenham instaladas lojas históricas ou entidades de interesse cultural.

São várias as críticas que se podem apontar a este diploma. Destaco as seguintes:
  • Significa um retrocesso incompreensível num processo iníquo de desigualdade social (entre inquilinos antigos e proprietários) e restrição do direito de propriedade, que, tendo prevalecido durante décadas, foi a causa da degradação do património urbano, da inexistência de mercado de arrendamento e do despovoamento dos centros das cidades;
  • Castiga os proprietários, fazendo impender sobre os mesmos o custo económico de políticas sociais, o que não é admissível – qualquer política social deve ser financiada por todos, no quadro do orçamento do Estado;
  • Frustra as expectativas de quem, nos últimos anos, fez investimentos em prédios com inquilinos antigos, projectando designadamente a sua reabilitação e revenda;
  • Retomando o anacrónico curso comunista da restrição da propriedade privada, ao frustrar expectativas legítimas de investidores e criar entraves novos à livre iniciativa privada, constitui um factor de descrédito de Portugal no mercado nacional e internacional.

Se existisse, entre políticos e associações privadas, uma réstia de sentido de justiça e de oportunidade, tudo deveria ser feito para impedir esta lei de ver a luz do dia.

Não obstante, por tudo o que a experiência nos tem ensinado, estou seguro de que a lei entrará em vigor.

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Por Francisco Silva Carvalho
Advogado

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