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quinta-feira, 28 de setembro de 2017

A “permuta técnica” em IMT: Nash, Pareto, Jesus e Kant

No artigo anterior analisámos o enquadramento em Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”) e em Imposto do Selo (“IS”) da “permuta tradicional” de imóveis, enquanto troca entre dois proprietários.

Já a “permuta técnica”, ao invés da tradicional, é um mito urbano da mediação imobiliária: muitos a referem, mas poucos efectivamente viram uma. Ela requer não dois mas três proprietários. Retomando o exemplo do artigo anterior, imaginemos que António continuaria a querer o T4 de Beatriz, mas sendo Carlos o interessado no T3 de António. António e Beatriz poderiam então permutar o T3 e o T4, recebendo esta daquele o diferencial de € 50.000, vendendo ela de seguida a Carlos o T3 que havia adquirido de António (tudo segundo os valores do exemplo acima referido), auferindo deste último os € 250.000.

Se uma troca directa já implica uma dupla coincidência de vontades (tendo a moeda sido inventada, em parte, como padrão comum de valor para obviar às dificuldades de materializar aquela), já uma permuta técnica implica – e digo-o com experiência de causa - ou um sofisticado acordo a três ou contratos bilaterais juridicamente muito bem tecidos, de modo a assegurar que o pivot Beatriz vende mesmo o ex-T3 de António ao Carlos, e que este o compra efectivamente (as denominadas “obrigações de resultado”), e que os negócios são compatíveis com as exigências da praxe, como seja o financiamento bancário de algum dos adquirentes finais ou os direitos de preferência de entidades públicas sobre a compra de Carlos.  

Na permuta técnica António trocaria com Beatriz, poupando o IMT e o IS acima referidos (14.040,68 €), sendo onerado apenas em 400 € a título deste último. Na medida em que Beatriz receberia o imóvel de menor valor, não estaria sujeita a IMT ou IS. Ser-lhe-ia, pois, indiferente alienar o imóvel a António ou realizar a permuta com este. Também a Carlos seria indiferente comprar o imóvel (anteriormente de António) a Beatriz, pois sempre teria, sobre ele, de pagar 8.412,78 € de IMT e 2.000 € de IS, num total de 10.412,78 €.

Em resumo, se António adquirisse directamente o T3 a Beatriz e Carlos adquirisse o T4 a António, a situação de cada um dos deles, isoladamente tomados, seria um equilíbrio de Nash: nenhum jogador poderia melhorar a sua situação fiscal alterando unilateralmente a sua estratégia.

Mas se eles, juntamente com o pivot (Beatriz), enveredarem por uma permuta técnica, perceberão que tal jogo cooperativo é, tributariamente falando, de soma positiva. Ao invés de 24.853,46 € de impostos totais teremos somente 10.812,78 € (400 € + 10.412,78 €), com a dita poupança de 14.040,68 €. E atingir-se-á um óptimo de Pareto: um dos jogadores – mas apenas um – ficará melhor (António), sem que qualquer um dos outros (Beatriz ou Carlos) piore a sua situação.

No fundo, o "altruísmo" do pivot e vendedor do bem de menor valor na permuta técnica (Beatriz) faculta uma vantagem fiscal ao adquirente do bem de maior valor (António), sem alterar a posição do terceiro interveniente (Carlos). Cumpre Beatriz a regra de ouro do Sermão de Jesus na Montanha: "Tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles (...)" (Mateus 7:12). E também o imperativo kantiano: "Age como se a máxima da tua acção devesse tornar-se, através da tua vontade, numa lei universal."

Esta permuta pode até ser "técnica", subjazendo-lhe dificuldades práticas e exigências jurídicas de monta para bem regular as diferentes interacções estratégicas e vicissitudes de um jogo a três. Mas não deixa, em última análise, de ser assaz “ética”: a vantagem fiscal própria é o resultado de uma boa e desinteressada acção de terceiro, que dela não pode esperar outra recompensa que não a satisfação de um imperativo moral – ou também, porventura, a expectativa de que, no futuro, em situação inversa, possa obter de alguém idêntica e desapegada reciprocidade.

PS: Agradeço ao meu Colega Dr. Bruno Botelho Antunes o auxílio na elaboração deste texto.

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Por Ricardo da Palma Borges
Advogado (Especialista em Direito Fiscal pela Ordem dos Advogados)
Sócio-Administrador da RPBA (Ricardo da Palma Borges & Associados - Sociedade de Advogados, S.P., R.L.)
ricardo@rpba.pt

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