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segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Espaços comerciais – E agora ?

No final de 2014, face a uma ininterrupta sequência de encerramentos de lojas antigas na cidade de Lisboa, decidi juntamente com alguns amigos, criar o “Círculo das Lojas de Carácter e Tradição de Lxª”, com o objectivo de ajudar e apoiar as lojas com mais de 50 anos de actividade no sentido de criarem condições para continuar a sua actividade.

Passaram cerca de 30 anos desde que teve início uma mudança radical das formas de consumo em Portugal, primeiro com os novos “shoppings” dos quais o Amoreiras Shopping Center era o ícon, e posteriormente com a massificação dos hipermercados. 

Este fenómeno teve como primeira grande consequência a queda abrupta das vendas das lojas de rua, em especial as mais antigas, as quais não se adaptaram aos tempos modernos, nem conseguiram competir com os horários alargados destes novos “templos do consumo”. 

Posteriormente, nos últimos anos da década de noventa, um novo “perigo” surgiu sob a forma das plataformas digitais que tudo vendem a qualquer cliente em qualquer parte do mundo. Hoje é virtualmente possível, desde que haja serviço postal, comprar um qualquer artigo e recebê-lo, mesmo que se esteja numa das localidades mais remotas do planeta. Resistências à parte, as plataformas Web como a Amazon, ou mesmo as construídas pelas grandes empresas de distribuição, como a Wal-mart, ganharam a sua quota-parte de receitas do consumo mundial, retirando-as às lojas tradicionais de rua.

Face a todos estes desenvolvimentos, seria de esperar que não sobrassem mais do que algumas raras lojas de rua, mais por casmurrice dos donos do que propriamente serem negócios de sucesso. No entanto, o que se verificou ao longo dos anos foi não só a manutenção do comércio de rua, como também a “adesão” ao mesmo por parte dos grupos económicos que antes promoveram as grandes superfícies.

Hoje, e no caso de Lisboa, continuamos a ter bairros como Campo de Ourique, Alvalade, Avenidas Novas, Chiado, Benfica, ou certas ruas como Avenida de Roma, Rua Morais Soares, Avenida Almirante Reis, com uma dinâmica de comércio de rua muito intensa. São zonas ou ruas, onde uma loja vazia não o está por muito tempo, e em que a procura por vezes demora a ser satisfeita. Não menciono casos mais específicos como a Baixa ou o Príncipe Real, pois o seu sucesso teve características muito próprias.

No caso concreto das lojas antigas, que no “Círculo” são as com mais de 50 anos de actividade, após o nascimento deste verificou-se um aumento de interesse por estes espaços. A visibilidade dada pela comunicação social, aliada a várias iniciativas de promoção, e ainda o nascimento do projecto “Lojas com História” da Câmara Municipal de Lisboa, e do qual somos consultores, veio despertar os consumidores para um tipo de comércio que muitos não conheciam. É com profunda satisfação que vejo os novos públicos que entram nas diversas lojas e acabam por comprar os seus artigos por vezes únicos. As luvas feitas à mão da Luvaria Ulisses, os puxadores únicos para móveis antigos fabricados na Casa Achilles, ou o café moído no momento na Carioca.

Assim chegamos, em termos de mercado imobiliário, a um ponto em que face aos diversos tipos de comércio existentes, e à rapidez com que o consumidor muda de gostos, é cada vez mais difícil valorizar correctamente um espaço comercial, seja ele situado numa loja de rua, seja situado num centro comercial.

Infelizmente, parece-me que hoje ainda se olha para uma loja como um espaço com valor per si, não interessando o que está em seu redor, tal como acontecia há 50 anos atrás. O problema é que em meados do século XX, a concorrência era pouca e os gostos perenes. Alguém abria uma loja de roupa num bairro periférico da cidade de Lisboa, e essa loja tinha negócio nos 20 anos seguintes. Hoje, esta fórmula já não resulta, nem sequer nas melhores localizações. Excepto alguns negócios muito específicos, de que a restauração é o melhor exemplo, já não é seguro que ao abrir a porta os clientes vão entrar. Cada vez mais, quem pensa em abrir uma loja, tem de aproximar a sua análise daquela feita por grandes empresas como a ZARA, ou as instituições bancárias, que analisam ao pormenor a localização, nomeadamente ao nível da concorrência, população residente e não residente, entre outros aspectos. A SONAE SIERRA, por exemplo, analisa o tráfego em cada corredor dos seus Centros Comerciais, sabendo exactamente quantas pessoas por dia ali circulam, podendo dessa forma valorizar melhor cada espaço que tem para arrendar.

Assim sendo, qual é que é o preço correcto de um espaço comercial ? Poderemos validar a análise comparativa de mercado ? Tem o mesmo valor por metro quadrado uma loja na mesma rua em frente uma da outra? Ou até ao lado uma da outra?

Há poucos anos conheci um estudo efectuado por uma equipa do ISCTE, que analisou o percurso que as pessoas faziam na Praça Duque de Saldanha em Lisboa. Com base em sensores colocados no chão, e também na observação, tiraram conclusões sobre a forma como as pessoas se movimentavam a pé naquela praça lisboeta. E o que mais sobressaiu, até por ser inesperado, era que o número de pessoas que percorriam a placa central (junto à estátua) era bastante superior ao que se julgava. Ora, isto vem demonstrar que a análise do comportamento das pessoas num determinado local é fundamental para os resultados financeiros de um espaço comercial.

Verificamos então que a questão do preço correcto é seguramente uma variável difícil de definir para a maioria das pessoas, sejam proprietários, potenciais interessados ou mediadoras imobiliárias. Embora existam já ferramentas que possam ajudar na análise, como as produzidas pela portuguesa MAPÍDEA dificilmente uma pequena empresa ou um interessado a título individual consegue obter toda a informação que lhe permite tomar uma boa decisão. Até porque, face ao exposto acima, a incógnita relativamente às receitas potenciais irá continuar a existir face à variação da procura.

Nesse sentido, todas as partes interessadas deverão elas próprias munir-se da maior quantidade de informação possível para estabelecer o preço correcto de um espaço. Quantas pessoas passam na rua durante o dia? Quantas lojas do mesmo negócio existem nas proximidades? Qual o potencial de aparecerem mais concorrentes nas imediações? Qual a possibilidade de atrair mais clientes ao local, seja pela facilidade em estacionar, seja pela existência de transportes? Que tipo de pessoas frequentam a zona? Qual a faixa etária predominante? 

São pois várias as questões que podem ser colocadas e que se respondidas correctamente face ao negócio em questão, podem definir por si só o sucesso ou insucesso deste. 

Dou como exemplo a zona por detrás da Maternidade Alfredo da Costa em Lisboa, onde apesar de existirem já bastantes cabeleireiros e lojas de estética, permanentemente estão a abrir novas lojas e a encerrar lojas existentes destes ramos. Uma análise de mercado permitiria facilmente concluir que existe um risco elevado em abrir mais uma loja desta área de negócio numa zona já saturada das mesmas. Mas a verdade é que essa análise não é feita, e diria que quase todos os meses abrem ou encerram lojas destas. 

É assim fundamental que esta análise seja efectuada, não só por quem está interessado em arrendar ou comprar, mas também pelo proprietário que arrenda ou o mediador imobiliário que a coloca no mercado, sob pena de estarem a potenciar um novo fracasso empresarial. 

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Por Carlos Leite de Sousa
Fundador Streetics

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